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NOSSAS DORES

Numa ocasião, conversando com um amigo cujos pais eram orientais, fui surpreendido com uma afirmação dele a respeito do que são as cócegas: “as cócegas são, na verdade, uma forma de manifestação da dor”. É certo que não fui pesquisar para saber se a ciência também considera assim, mas fiquei muito impressionado com esta possibilidade. Nunca havia me dado conta de que a DOR pudesse se manifestar de maneira diferente daquela que habitualmente “tratamos” com os analgésicos.

Minha pretensão neste texto não é “provar” que meu amigo tinha razão, mas sim provocar a reflexão sobre as diferentes formas pelas quais as DORES se manifestam e principalmente o que fazemos com elas.

Recentemente, por indicação de uma pessoa que atendo em meu consultório, tive a oportunidade de assistir um vídeo cujo tema era: “por que todos nós precisamos praticar primeiros socorros emocionais

Clique aqui e assista ao vídeo citado.

Mais uma vez fui surpreendido com as diversas possibilidades de manifestação da DOR.

O vídeo faz refletirmos sobre nossa dificuldade em conseguirmos lidar de forma apropriada com NOSSAS DORES emocionais, além de nos questionar sobre a forma pela qual nossa sociedade compreende a saúde do ser humano, valorizando quase que exclusivamente as questões relacionadas ao corpo em detrimento das coisas relacionadas à nossa mente.

NOSSAS DORES emocionais: A raiva, a tristeza, a angústia, a solidão, o desespero e aflição são alguns exemplos de DOR EMOCIONAL que a maioria das pessoas desconhece ou negligencia.

Neste vídeo, o Psicólogo Guy Winch apresenta, de forma bem humorada, a experiência de ser pouco valorizado naquilo que faz profissionalmente, mesmo depois de ter concluído seu doutorado em Nova York. Diz ele que quando apresenta seu cartão de visitas (Dr. Guy Winch) é comum as pessoas manifestarem seus desapontamentos “ah… mas você não é um médico de verdade”.

Nossa sociedade, de acordo com Guy, está acostumada a valorizar mais os aspectos objetivos  da saúde (corpo). As pessoas quando sentem dor no estômago, ou em qualquer outra parte do corpo, procuram cuidados clínicos da área da saúde (quer dizer da ausência dela). Entretanto quando se sentem culpados, deprimidos ou com qualquer outra forma de manifestação de DOR EMOCIONAL habitualmente negligenciam cuidados clínicos da área da saúde.

Em nosso País isto fica muito evidente com a falta de estrutura nos domínios públicos de cuidados com a saúde (e privados também) para atendimento a este tipo de demanda. Será que o povo brasileiro não sente dor emocional suficiente para justificar um contingente maior de profissionais como Psicólogas (os) nas UBS, ambulatórios e hospitais? Bem, não quero enveredar nosso texto para o campo político, pelo menos por hora, mas tenho certeza que sei qual seria sua resposta para esta pergunta.

Voltando ao nosso objetivo com o tema, para a maioria das pessoas, as DORES EMOCIONAIS são consideradas, “falta de vontade”, “fraqueza”, e até mesmo “frescura”.

Parafraseando Guy, é comum verificarmos pessoas tentando “ajudar” outra que nitidamente apresenta sofrimento (ao  viver uma grande tristeza, por exemplo), dizendo: “Ah, não fique assim, pense em outra coisa, a vida é assim mesmo, não deixe de se divertir por causa disto”. É como se a pessoa em sofrimento estivesse nesta condição porque gosta de sofrer ou não quer se livrar desta angústia que a incomoda. Acredito até que existam pessoas com capacidade de sentir prazer no próprio sofrimento, mas também tenho certeza de que se trata de uma minoria.

No vídeo Guy faz uma analogia interessante, ao nos fazer pensar que se, ao invés da tristeza  a pessoa estivesse com a perna quebrada. Nesta situação, a  “ajuda” seria o equivalente a lhe dizer : “Ah, não fique assim, pense em outra coisa, a vida é assim mesmo, não deixe de andar por causa disto” . Conseguimos pensar nesta hipótese? É obvio que não! Mas por que então fazemos isto com as pessoas que estão experimentando DORES EMOCIONAIS?

É certo que não tenho todas as respostas possíveis para esta questão, mas em meus quase trinta anos de atuação na área clínica, tenho percebido que as pessoas sentem até vergonha (assim como outras formas de manifestação da negligência dos aspectos subjetivos) de passarem por algum tipo de sofrimento emocional. Claro que em 1989 quando iniciei minha carreira em consultório a vergonha era muito mais frequente, mas não quer dizer que atualmente não exista. Existe, e numa proporção ainda bem grande!

 

Uma significativa parte da responsabilidade desta vergonha é o equivocado aprendizado que temos a respeito da emoção como uma fraqueza humana. As pessoas, em parte, negligenciam as emoções  (notadamente aquelas consideradas negativas, como a raiva, tristeza, angústia, etc.) porque acreditam que ao extrovertê-las , estariam também se mostrando como pessoas fracas, inadequadas, e derrotadas.

Nossa sociedade, quase que por tradição, marginaliza as pessoas fracas, inadequadas e derrotadas, neste sentido, as dores emocionais tem um significado simbólico daquilo que é mais avassalador para a psique humana: SER ABANDONADO.

A sensação de ser abandonado ou rejeitado tem para o ser humano o significado simbólico da morte, por isso é tão avassalador. O ser humano, dentre os mamíferos “superiores” é o que nasce de forma mais prematura.

 

Enquanto um cachorro, por exemplo, demora alguns minutos depois de nascer para ter autonomia de locomoção até a fonte de alimento (mãe), o ser humano demora por volta de nove meses para ter maturidade semelhante.

Assim, o ser humano nasce e permanece por quase nove meses dependendo de outros (mãe) para se alimentar e consequentemente se manter vivo. Nesta fase da vida, ser abandonado significa morrer, esta é a razão pela qual o abandono tem significado de morte para os humanos.

Será que a pessoa cuja perna esteja quebrada ou tem uma dor de estômago também se sente assim? Será que você, que está lendo este texto, também consegue se perceber negligenciando suas DORES EMOCIONAIS, ou de outros? Será que quando estamos diante de uma pessoa triste também nos afastamos ou procuramos não tocar neste assunto (ou seja: negligenciar)?

Recentemente, participei de uma palestra com uma amiga, a psicóloga e professora Laura Maza Garrido, na qual – brilhantemente – oportunizou aos presentes refletir sobre as mensagens ocultas na série “Thirteen Reasons Why (Os Treze Porquês)”

A série, pelo menos na primeira temporada, mostra a trajetória de uma estudante que  comete o suicídio. Entretanto a série não apresenta de forma clara (penso que nem de forma nebulosa) quais as possibilidades de ajuda que esta estudante poderia receber, ou recebeu nesta trajetória. Isto seria também um exemplo de negligencia da dor emocional experimentada pela protagonista da série?

Temos conhecimento que o suicídio vem tomando proporções epidêmicas não só no Brasil, mas em todo mundo. Será que estamos atentos e sensíveis aos sintomas das dores emocionais, nossas e dos outros?

Mais do que nunca, precisamos nos preparar e mudarmos nossas convicções acerca das DORES EMOCIONAIS. Mudar nossas condutas diante do sofrimento e das dores, tanto nossas quanto das pessoas ao nosso entorno!

Sentirmos liberdade e confiança para conversar sobre as tristezas e angustias, de modo a lidar com as DORES EMOCIONAIS mais naturalmente, de forma menos preconceituosa. Conhecermos as possibilidade de ajuda que as pessoas nestas condições dispõem, para encaminharmos ou conduzirmos se necessário.

É claro que não se trata da solução para este problema tão abrangente, mas a possibilidade de começarmos transformações num futuro próximo.

Lembrando que para termos saúde,  precisamos equilibrar o direcionamento de nossa atenção para as coisas que afetam tanto o nosso corpo quanto a nossa mente. Para Carl Gustav Jung: “O sofrimento não é uma doença; e sim o polo oposto normal da felicidade” (Jung, CW 16 I, par.179)

 

 

Leonardo Milan

Psicólogo e especialista em Psicologia clínica

(CRP 06/31.748)

 

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2 Comentários

  • Nathaly Silvestre

    Amei, texto maravilhoso pro, sou sua fã ❤

  • Bete

    Adorei seu texto. Coisa boa: Psicologia + medicina integrativa (a psicossomática que vem resgatando antigos ensinamentos da medicina oriental, e de Hipócrates e a totalidade mente/corpo, bem como a própria pessoa como ativa participante no processo saúde/doença) = caminhos que levam ao autoconhecimento e, consequentemente à alfabetização emocional.

Psicólogo Leonardo Milan
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